domingo, 25 de dezembro de 2011

Tecnologia e Política em Marcuse


A crítica de Marcuse à suposta neutralidade da ciência exige ao mesmo tempo a concepção de uma “nova humanidade”

Marilia Mello Pisani
As reflexões de Herbert Marcuse sobre as transformações nas formas de vida sob o impacto da revolução científico-tecnológica são desenvolvidas em seu livro Ideologia da sociedade industrial[1964], mas aparecem pela primeira vez nos textos dos anos 1940, nos quais ele recorre a uma vasta bibliografia sobre o impacto das transformações tecnológicas na estrutura da sociedade e no indivíduo. Nesses textos o filósofo realiza uma interessante analogia entre as sociedades nazista (nacional-socialista), capitalista e socialista soviética. O que elas têm em comum é a predominância de uma determinada “racionalidade técnica”, que se expressa pelo uso da tecnologia como forma de controle e coesão social – um controle que começa com a introdução das máquinas nas fábricas e se estende para toda forma de organização da vida social, da organização do trabalho ao lazer e descanso, assim como para a própria subjetividade e até a sexualidade.
Em Estado e indivíduo sob o Nacional-Socialismo, Marcuse mostra que a emergência de uma nova moral sexual sob o nazismo serviu aos interesses do Estado nacional-socialista, um Estado organizado como uma máquina onde todas as suas partes estão devidamente coordenadas. Na Alemanha nazista todos os indivíduos se tornaram “apêndices da maquinaria”; os seus desempenhos individuais foram completamente ajustados à operação da máquina, “cronometrados e coordenados de acordo com suas exigências”, “eles próprios foram coisificados e se tornaram parte fixa da máquina”. Segundo Marcuse, o nacional-socialismo realizou uma “tecnicização da moral”, fazendo da moral uma parte da tecnologia “em sentido literal”. Esse sistema “tem uma estrutura técnica e sua coerência é um procedimento técnico”, pois “na tecnologia, não há verdade ou falsidade, certo ou errado, bom ou mal – há apenas adequação ou inadequação a um fim pragmático”, o que justificaria o extermínio em massas enquanto um procedimento meramente técnico. Esta definição de “técnica” nos conduz a uma discussão espinhosa na reflexão de Marcuse sobre o tema: a crítica da neutralidade da técnica e da ciência.
Crítica da neutralidade da ciência e da técnica
Nos anos 40, a crítica da neutralidade da técnica e da ciência não aparece de forma tão evidente quanto nos textos dos anos 60. Em Algumas implicações sociais da tecnologia moderna [1941], Marcuse estabelece uma distinção entre “técnica”, entendida enquanto conjunto de instrumentos que podem servir tanto ao controle quanto à libertação, e “tecnologia”, definida como um modo de produção específico que utiliza a técnica como instrumento de controle.
Porém, a partir dos anos 60 essa distinção se torna menos nítida, o que põe sérios problemas para a análise do tema no autor. Essa indiferenciação tornou Marcuse alvo de severas críticas, tanto por parte das esquerdas marxistas quanto dos liberais conservadores, ambos rejeitando a crítica do progresso tecnológico e científico desenvolvida pelo filósofo. Podemos supor que essa “mudança de foco” seja uma conseqüência de dois fatores. Primeiro, a incorporação de uma literatura crítica sobre a técnica e a ciência moderna que surge ao longo dos anos 40 e 60, como a crítica das ciências modernas de Edmund Husserl, as reflexões de Martin Heidegger sobre a questão da técnica, assim como as do filósofo da técnica Gilbert Simondon.
Um segundo fator pode ser resultado do novo contexto histórico do pós-Segunda Grande Guerra. Podemos sugerir que um evento crucial separa as reflexões de Marcuse acerca da técnica entre o período dos anos 40 e 60 – a explosão das bombas atômicas no Japão em 1945. Esse evento deu início à corrida armamentista, impulsionada pelas descobertas científicas e tecnológicas, e à competição entre as potências socialistas e capitalistas, resultando na aceleração da produção de mercadorias e na emergência do modelo americano de sociedade de consumo, como forma de competir ideologicamente com a ex-URSS. Marcuse defende a tese de que a coexistência entre as duas potências competidoras foi o motor para a produção crescente e enorme produtividade, promovendo a estabilidade do capitalismo. A partir desse momento a “tecnologia transformou-se num novo sistema de dominação”. Antes mesmo da explosão das bombas, na Primeira Guerra, a aliança entre ciência e guerra já havia se tornado evidente. Porém, podemos considerar esse um acontecimento significativo na medida em que suas proporções e magnitude marcaram para sempre o imaginário coletivo, tornando-se, assim, um evento que nunca mais pôde ser esquecido.
Desse modo, no pós-guerra a questão da neutralidade da técnica e da ciência adquire novo significado: a ciência passa a ser questionada não só em suas aplicações, mas em sua própria “pureza”, em sua neutralidade. Nos anos 60 Marcuse defende a tese de que a tradicional separação entre “ciência pura” e “ciên-cia aplicada” se tornara ilusória.
Marcuse tem plena consciência do con-teúdo progressista que a afirmação da neutralidade da ciência desempenhou no início do projeto científico como uma forma de libertar a ciência e a técnica das normas impostas. Ela foi destruidora do dogmatismo e da superstição medieval, da justificação teológica da desigualdade e da exploração e da autoridade irracional. Entretanto, esse fato histórico foi ultrapassado e essa “separação que foi uma vez libertadora e progressiva é agora destrutiva e repressiva”. Não basta apontar para a relação entre a ciência e o capitalismo, como se a evolução atual da sociedade fosse compreensível apenas mostrando que o capitalismo se apropriou da ciência e que os resultados de sua evolução são conseqüências de uma má utilização desta e da técnica – há algo além que é preciso demonstrar. Para Marcuse, o problema está na compreensão daracionalidade técnico-científica como uma racionalidade essencialmente neutra, indiferente aos fins e aos valores, e no seu modo específico de lidar com a natureza. Isto é, o problema está na separação entre ciência e valores, entre técnica e política, entendida aqui como um acontecimento histórico.
Técnica, natureza e tecnicidade
Para compreender a crítica de Marcuse vamos nos aproximar de um conceito que aparece poucas vezes em seus textos, mas que se revela importante: o conceito de tecnicidade. Este aparece em um ensaio “Da ontologia à tecnologia: as tendências da sociedade industrial” [1960]. Quando se refere ao termo, Marcuse o faz em um contexto onde aparece uma das poucas referências a Heidegger nos anos 60.
Em “A questão da técnica” [1954], Heidegger também recusa a neutralidade da técnica e do que chama de abordagem “antropológica” e “instrumental” do termo, que significa entender a técnica como um mero conjunto de instrumentos e artefatos. O problema é que essa concepção pode ser aplicada à técnica em qualquer época e circunstância, pois identifica todos os seus estilos, sejam antigos, medievais ou modernos, e não permite revelar a especificidade histórica da técnica moderna.
No que diz respeito à técnica moderna Heidegger afirma que o problema está no seu modo específico de lidar com a objetividade. Se antes, com os gregos, a natureza era apreendida com portadora de finalidade inerentes, portadora de uma alma e vitalidade próprias, na modernidade esse “fundo mágico” desaparece, a natureza perde sua qualidade de substância independente tornando-se mera matéria-prima e, portanto, neutra, sem valor intrínseco. A natureza não está mais aí gratuitamente, o homem não se submete mais a ela para que ela permita ao homem retirar o que precisa e, nesse ato, realizar a produtividade própria da natureza juntamente com a do próprio homem, mas exatamente o contrário, o homem moderno se torna, então, “senhor sobre a Terra” (Heidegger).
Para os modernos a natureza torna-se natureza matematizada, mera representação do sujeito que a apreende. Assim, graças a essa teoria da natureza, que aparece pela primeira vez na ciência moderna, foi possível o surgimento da técnica moderna. Segundo Heidegger a sua especificidade não está no fato de ela ser fundada sobre a ciência moderna, exata, da natureza, uma vez que o inverso também pode ser verdadeiro, quer dizer, ciência experimental também depende de um material técnico e está ligada ao progresso na construção de aparelhos técnicos. Para ele, a teoria da natureza elaborada pela física moderna preparou o caminho para a técnica moderna, que só deu seus primeiros passos quando pode se apoiar nas ciências exatas da natureza.
Este é justamente o ponto de convergência com a crítica da técnica tal como Marcuse a desenvolve. Essa abordagem neutra da natureza permitiu que esse “princípio metodológico” se entendesse para todas as formas de ação social e fez da ciência e da técnica veículos de uma nova forma de dominação, que torna todo ser passível de redução a mero instrumento. Marcuse encontra no início do projeto científico e em sua forma de apreensão da natureza e da objetividade a gênese do desenvolvimento social da técnica e da ciência e da própria racionalidade científico-tecnológica. Esta racionalidade aparece como o desfecho de um processo que tem em sua base a idéia de Razão tal como os gregos entendiam, mas que, na modernidade, foi transformada e reduzida à Razão técnica, de onde se origina a separação entre razão, ética e política que está na base da tese da neutralidade.
A sociedade tecnológica é guiada por formas de pensamento e ação que aceitam o universo dos fatos dados como único, obscurecendo a capacidade de determinação dos fins das ações humanas, a capacidade propriamente humana da de-cisão. Esta sociedade guiada pela racionalidade técnicacaracteriza-se pela inespecificidade quanto aos fins, obscurecendo o sentido da práxis, da ação pautada por fins.
Porém, por meio do conceito de tecnicidade a técnica deixa de ser abordada de uma perspectiva instrumental. A partir de agora ela passa a ser entendida em seu caráter existencial, o que implica uma determinada relação entre o homem e a natureza e, assim, uma determinada idéia de verdade e de objetividade. A tecnicidade não se refere à técnica mesma, mas à forma especificamente histórica da relação entre o homem e natureza. Esse conceito permite rejeitar a tese da neutralidade, pois os objetos podem ser neutros, mas a relação com a objetividade não, ela indica um determinado universo de fins, um idéia de verdade. Em toda tecnicidade está presente esse universo de fins, que por sua vez determina a própria forma do instrumento técnico (já nos gregos a “finalidade” permanece atuante em toda produção técnica – não existe instrumentalidade per se). Porém, na modernidade esse universo de fins foi recusado, o que abriu a possibilidade de uma aproximação meramente instrumental do mundo.
Marcuse revela o nexo necessário que une Razão técnica e Razão política. Toda técnica tem um universo de fins, uma causa final inerente, mesmo que ela seja mistificada pela suposta neutralidade dos objetos técnicos. Técnica e política estão necessariamente unidas em todo e cada caso e, assim, a própria neutralidade da técnica se revela como política. Uma “nova” técnica (instrumento) seria possível dentro de um novo universo de fins, de uma nova tecnicidade e, portanto, de uma nova relação com a natureza. Dentro de um novo universo de fins as técnicas se transformariam em sua própria estrutura, visto que a construção de aparelhos e de máquinas, de instrumentos e objetos técnicos, está vinculada à concretização destes fins. Nesse caso, a razão política, isto é, a organização de uma nova pólis, estaria vinculada à construção de uma nova técnica que realize esses novos fins. A crítica da separação entre técnica, ciência e política conduz Marcuse a pensar nos fins e restituir à Razão seu caráter político, enquanto práxis.
A recusa da tese da neutralidade não implica a defesa de uma volta ao passado tradicional, pré-científico, ou uma recusa da ciência e da técnica. Isso porque para Marcuse a tecnicidade, assim como o projeto técnico e científico, tem caráter existencial, sendo, portanto, elementos fundamentais na realização das necessidades vitais e na constituição de uma “vida sem angústia, pacificada e de alegria”.
Seu interesse é mostrar que, sendo a ciência e a técnica atividades humanas, elas só alcançam seu objetivo se assumirem claramente o caráter político e histórico que foi mascarado pela afirmação da “pureza” científica. Marcuse não é “tecnofóbico”; quer, ao contrário, salvar a ciência de seus excessos, como esforço na luta pela existência livre. Ele defende realização do telos próprio à ciência – o melhoramento da vida humana; caso contrário, “ela perderá sua própria raison d’être”. Dizer que a ciência deve tornar-se “política” não significa de modo algum que os fins políticos devem ser impostos de fora. Deve-se reconhecer que “a consciência do cientista é política e que seu empreendimento é político”, pois “político” tem a ver com uma boa organização da pólis.
Em busca de uma Razão Sensível
O que está em jogo para Marcuse é uma determinada concepção de “natureza humana”. Herdeiro e ao mesmo tempo crítico do Iluminismo, Marcuse resgata a possibilidade da ação humana incorporada no conceito iluminista de Razão, ou seja, a decisão, sendo esta própria à humanidade em sua diferenciação em relação à natureza. Enquanto a natureza segue uma causalidade interna, ao ser humano é dada a possibilidade de transformação, de interferir no rumo das coisas, tanto no mundo externo quanto em si mesmo. Porém, enquanto crítico do Iluminismo, mas sem abrir mão da Razão, ele recusa o Logos dominador da natureza, tanto externa quanto interna – a sensibilidade – e propõe uma nova racionalidade, a “razão sensível”, entendida como a reconciliação entre Eros e Logos. Esse rompimento com a lógica da dominação está subentendido em sua radical idéia de “revolução”, que ele herda dos Manuscritos econômico-filosóficos de Marx. O que está em questão é a possibilidade de uma nova relação com a natureza e o surgimento de um “novo homem”, uma nova “natureza humana” – pois, o que há de natural à natureza humana é a possibilidade de se diferenciar, de se recriar a cada momento. Assim, Marcuse abre possibilidade para redefinir uma nova meta humana de mudança radical frente à crise do mundo contemporâneo. Devido a essa sua idéia de “humanidade”, ele pôde se aproximar dos movimentos ecológico e feminista ao longo dos anos 70, pois para ambos está em jogo uma nova relação com a natureza externa e interna.
“(…) insisto que não há algo como uma natureza humana imutável. Além a acima do animal, os seres humanos são maleáveis, corpo e mente, até mesmo em sua própria estrutura pulsional. Homens e mulheres podem ser computadorizados, transformando-se em robôs, sim – mas eles também podem recusar-se a isso.” (Marcuse, Ecologia e crítica da sociedade moderna [1977])

ENCONTROS SEMANAIS DO GRUPO DE PESQUISA

Estaremos voltando a partir do final de fevereiro, no início do semestre letivo da UECE..
Iremos decidir a obra a ser estudada e divulgaremos no Blog.

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

ENTREVISTAS DE MARCUSE

Faz parte parte da procução intelectual de autor, não apenas suas obras escritas. É importante observar também seu posicionamento frente ao mundo. Segue uma lista de vídeos de entrevistas de Herbert Marcuse.

No primeiro, Marcuse irá refletir sobre as possibilidades de libertação, tendo os estudantes como agentes de mudança. Em Inglês.

O segundo é uma reflexão sobre o papel da tecnologia na sociedade industrial. Sua principal tese é a de que não é a técnica que é nociva em si mas seus controladores que impregnam a tecnologia com um carater repressivo. Em Frances.

O terceiro apresenta a entrevista dada por Marcuse para compor um documentário da década de 60 sobre as revoltas estudantis. Aqui, a série "O Século do Eu" retoma essa entrevista para refletir sobre o papel da psicanálise na sociedade contemporânea. Em Português.

1 ) "Liberation from the Affluent Society" (1967)

2) Temps Present

3) O Século do "Eu" - Ep. 02 parte 09 - Críticas à Psicanálise

sábado, 15 de outubro de 2011

Encontro Regional dos Estudantes de Letras. Marcuse além de Filosofia, se formou em literatura. E além disso o que seria a vida sem literatura? Os escritores são os arquitetos da alma.
Página do evento: http://erelne2012.blogspot.com/

CARTA DE ADORNO A MARCUSE


CARTA DE ADORNO A MARCUSE
Frankfurt am Main, 5 de maio de 1969
Caro Herbert,
Tua carta de 5 de abril, recebida durante minhas curtas férias em Baden-Baden, deixou-me extraordinariamente surpreso e, franqueza contra franqueza, magoado. Como sei muito bem que a controvérsia entre nós só se resolve oralmente, não gostaria de ficar até lá devendo a resposta.
Antes de mais nada, não entendo como a situação mudou decisivamente para ti depois de uma conversa, pois, segundo confirmas expressamente, ela não contradiz em nada minhas informações e não pode conter quase nada de novo. Pelo menos, penso, deverias ter me comunicado algumas divergências no relato e dado a possibilidade de exprimir-me sobre elas. Parece-me realmente impossível formar um juízo sobre a questão à distância de seiscentas milhas. Tu fizeste-o sem nem sequer me ouvir.
A sugestão de não falar aos estudantes nem mesmo num grande espaço público veio anteriormente de ti. Ela correspondia certamente às minhas intenções. Afinal, preciso defender os interesses do Instituto -nosso velho Instituto, Herbert-, e, podes acreditar em mim, esses interesses seriam imediatamente comprometidos por esse circo. A tendência, que se alastra, de cortar as subvenções, se fortaleceria violentamente. Por isso é melhor que tu, se queres discutir com os estudantes à vontade, que o faças inteiramente por tua própria conta e risco, sem envolver o Instituto ou o Seminário. Acredito poder inferir da tua carta que compreendes esta minha reação e que não me guardarás rancor por isso.
Para falar no jargão da Oposição Extraparlamentar, não se deve caluniar abstratamente a polícia. Só posso repetir-te que ela tratou os estudantes de maneira incomparavelmente mais tolerante que estes a mim. Isso ultrapassou todos os limites. Também sou de opinião diferente da tua no que diz respeito a quando se deve chamar a polícia. Recentemente, o sr. Cohn-Bendit disse-me, durante uma discussão numa associação profissional, que eu só teria o direito de procurar a polícia se alguém quisesse espancar-me a pauladas; respondi que então talvez fosse tarde demais. O caso da ocupação do Instituto não permitia nenhum comportamento diferente do nosso. Como o Instituto é uma fundação independente e não se encontra sob a proteção da Universidade, a responsabilidade por tudo o que aqui acontecesse recairia sobre Friedeburg e sobre mim. Os estudantes tinham a intenção, em vez de participar do Seminário, de "ocupar, de maneira diferente" o Instituto, como diziam antes; no que isso daria, com pichações e tudo o mais, pode-se imaginar. Hoje eu não reagiria de modo diferente de 31 de janeiro. A exigência que os estudantes me lançaram recentemente -fazer autocrítica pública-, considero-a puro stalinismo. Isso nada tem a ver com "business as usual".
Sei que no tocante à relação entre teoria e prática não estamos longe um do outro, embora precisássemos algum dia discutir realmente essa relação (estou justamente trabalhando em teses que se ocupam disso). Também concordaria contigo que há momentos nos quais a teoria é impulsionada pela prática. No entanto, hoje nem uma tal situação domina objetivamente, nem o praticismo monótono e brutal, com que em todo caso nos encontramos confrontados aqui, tem qualquer coisa a ver com teoria.
A tua mais forte alegação consiste em dizer que a situação é tão horrível que se deve tentar quebrá-la, mesmo reconhecendo ser isso objetivamente impossível. Eu levo o argumento a sério. Mas considero-o falso. Nós, tu assim como eu, suportamos outrora uma situação muito mais terrível ainda, o assassinato dos judeus, sem que tivéssemos passado à prática, simplesmente porque nos era vedada. Considero como uma questão de autoconsciência ter claro o elemento da frieza em cada um de nós. Dito asperamente: encaro como um auto-engano que tu, em virtude do que ocorre no Vietnã ou em Biafra, não possas mais simplesmente viver sem participar das ações estudantis. Mas, se realmente se agir assim, então não se deve protestar apenas contra o horror das bombas de napalm, mas igualmente contra as indescritíveis torturas ao estilo chinês, que os vietcongues continuamente praticam. Se não se pensar nisso também, o protesto contra os americanos tem algo de ideológico. Max, com toda razão, dá grande valor precisamente a esse ponto. Justamente eu, que afinal deixei a América, devo ter uma certa razão na minha opinião.
Reclamas da expressão de Jürgen, "fascismo de esquerda", como "contradictio in adjecto". No entanto, és um dialético. Como se não existissem tais "contradictiones", como se um movimento, em virtude de suas antinomias imanentes, não pudesse transformar-se em seu contrário. Parece-me não haver dúvidas de que o movimento estudantil, na sua atual configuração, e na verdade de imediato, desemboca justamente na tecnocratização da Universidade, a qual quer supostamente impedir. Parece-me igualmente inquestionável que atitudes como as que tive de observar e de cuja descrição poupo, a ti e a mim, possuem realmente algo daquela violência sem conceito que uma vez pertenceu ao fascismo.
Portanto, respondendo sem equívocos à tua pergunta: se vieres a Frankfurt para discutir com os estudantes que dão provas de uma regressão calculada contra todos nós, então deves fazê-lo por conta própria, não sob nossa égide. A decisão cabe unicamente a ti.
Naturalmente seria ótimo se pudéssemos encontrar-nos na Suíça com Max, mas duvido que isso possa realizar-se, pois ficaremos pouco tempo em Basiléia. Seria importante para nós conversas realmente infindáveis. Para isso, Zermat seria o melhor lugar, pois, apesar de não ter lagos italianos, nem por isso te desencorajou outrora. A propósito, no início de setembro estarei na Itália; por volta dos dias 8 e 9 é certo encontrar-me em Veneza.
Afetuosamente teu
Teddy
CARTA DE MARCUSE A ADORNO
Londres, 4 de junho de 1969
Caro Teddy
Ainda mais urgente que antes sinto a necessidade de falar francamente. Ergo:
Tua carta não dá a mais leve indicação que permita diagnosticar as razões da hostilidade dos estudantes contra o Instituto. Falas sobre os "interesses do Instituto", exortando enfaticamente: "nosso velho Instituto, Herbert". Não, Teddy. Não foi nosso velho Instituto que os estudantes invadiram. Sabes tão bem quanto eu que há uma diferença essencial entre o trabalho do Instituto nos anos 30 e seu trabalho na Alemanha de hoje. Esta diferença qualitativa não provém do desenvolvimento da própria teoria: as "subvenções" que mencionas incidentalmente são realmente tão incidentais? Sabes que concordamos na recusa de qualquer politização imediata da teoria. Mas a nossa (velha) teoria tem um conteúdo político interno, uma dinâmica política interna que hoje, mais do que nunca, exige uma posição política concreta. Isto não significa dar "conselhos práticos", como me atribuis na tua entrevista ao "Spiegel". Nunca fiz isso. Como tu, considero irresponsável aconselhar do alto da escrivaninha a ação àqueles que estão dispostos, com plena consciência, a fazerem quebrar-se a cabeça pela sua causa. Mas, no meu modo de ver, isso significa que, para continuar a ser nosso "velho Instituto", devemos hoje escrever e agir diferentemente dos anos 30. Até mesmo a incólume teoria não está imune à realidade. Tão falso quanto negar a diferença entre ambas (como tu com razão censuras aos estudantes) é manter abstratamente a diferença na sua antiga configuração, quando a realidade na qual teoria e prática se incluem (ou se distanciam) se modifica.
De fato, não se deve "caluniar abstratamente" a polícia. É evidente que em determinadas situações eu também chamaria a polícia. Em relação à Universidade (e só em relação a ela) assim o formulei recentemente: "if there is a real threat of physical injury to persons, and of the destruction of material and facilities serving the educational function of the university". Por outro lado, acredito e repito que, em determinadas situações, a ocupação de prédios e a interrupção de aulas são atos legítimos de protesto político. Exemplo: na Universidade da Califórnia, após a inimaginável e brutal repressão da manifestação de maio em Berkeley.
Talvez o mais importante: não posso descobrir em mim a "frieza em cada um de nós" perante a terrível conjuntura; se for "auto-engano", já deve ter penetrado tanto na carne e no sangue que não é mais frieza. Da mesma forma, não é pelo menos possível que justamente a constatação da frieza seja auto-engano e "defense mechanism"? E, de qualquer modo, parece-me desumano que não se deva protestar contra o inferno do imperialismo sem ao mesmo tempo acusar aqueles que, desesperados, se defendem por todos os meios contra esse inferno. Como princípio metódico, transforma-se imediatamente em justificação e desculpa do agressor.
Passemos ao "fascismo de esquerda": não esqueci evidentemente que há "contradictiones" dialéticas -mas também não esqueci que nem todas as "contradictiones" são dialéticas-, muitas são simplesmente falsas. A esquerda (autêntica) não pode, "em virtude de suas antinomias imanentes", transformar-se na direita, sem mudar essencialmente sua base social e seu objetivo. No movimento estudantil nada indica uma mudança desse tipo.
Escreves, para introduzir teu conceito de "frieza", que, por nosso lado, também suportamos o assassinato dos judeus sem passar à prática, "simplesmente porque nos era vedada". Sim; e hoje, precisamente, ela não nos é vedada. A diferença entre as duas situações é a que existe entre fascismo e democracia burguesa. Esta nos dá também liberdades e direitos. Mas na medida em que a democracia burguesa (em virtude de suas antinomias imanentes) se fecha à transformação qualitativa, e isso por meio do próprio processo democrático-parlamentar, a oposição extraparlamentar torna-se a única forma de "contestation": "civil disobedience", ação direta. E as formas dessa ação não seguem mais o esquema tradicional. Nessas formas, há muitas coisas que condeno assim como tu, mas me conformo com elas e defendo-as contra seus adversários, porque precisamente a defesa e a manutenção do status quo e seu custo em vidas humanas são muito mais elevados. Aqui se encontra sem dúvida a mais profunda divergência entre nós. É para mim simplesmente impossível falar dos "chineses no Reno" enquanto os americanos estiverem no Reno.
É certo que tudo isso requer "conversas infindáveis". Não compreendo porque só Zermatt seria o "melhor lugar" para tal. Um lugar de mais fácil acesso para todos os participantes parece-me no campo do possível. De 16 de agosto a 11 de setembro estaremos na Suíça; de 4 de julho a 14 de agosto na casa de Madame Bravais Turenne, 06 Cabris, França.
Afetuosamente teu
As cartas reproduzidas acima pertencem ao Arquivo Herbert Marcuse de Frankfurt. Foram cedidas pela revista "praga" (Ed. Hucitec, tel. 011/530-4532), que as publicará, com outras mais, em seu número 3, a sair neste mês.
Tradução de Isabel Maria Loureiro.

sábado, 8 de outubro de 2011


[UFC / UECE ]III Encontro Nietzsche-Schopenhauer







Artigos do Professor Alberto Dias Gadanha

Subjetividade, dissociação não presumida na compreensão dialética de Marcuse
http://www.uece.br/kalagatos/dmdocuments/V6N12_Ver_2009_Artigo_Alberto_Dias_Gadanha.pdf

Dialética de Marcuse: o todo é a verdade e o todo é falso

O não-senso de uma revolução social com alma política - Marx, em 31 de julho de 1844, uma leitura além de modernidades

Artigos do Professor Alberto dias Gadanha publicados na Revista Kalagatos, Revista do mestrado Acadêmico em filosofia da UECE.

ENCONTROS SEMANAIS DO GRUPO DE PESQUISA

Encontros todas as quintas as 17 horas. No Centro de humanidades (UECE). Sala de vídeo 2.
Obra a ser estudada: Eros e Civilização, uma interpretação filosófica do pensamento de Freud.

Herbert Marcuse – anticapitalismo e emancipação - ISABEL LOUREIRO



Marcuse teve no Brasil uma péssima recepção. Nas décadas de 1960/ 1970, época de seu grande sucesso junto aos estudantes rebeldes, acabou sendo identificado unilateralmente com a contra-cultura, o que gerou incompreensões por todos os lados. As escolas católicas, vendo nele um arauto da permissividade sexual e da liberação das drogas, proibiam a leitura de suas obras. A esquerda comunista interpretava sua crítica à cultura ocidental como irracionalista. E a academia, exclusivamente voltada na época para a exigente tarefa da leitura estrutural dos textos filosóficos não tinha tempo para se entreter com um filósofo que, no seu entender, padecia de falta de rigor.
Talvez uma das razões dessa incompreensão decorra da má divulgação de sua obra. Eros e civilização (1955) e Ideologia da sociedade industrial(1964), livros que tornaram Marcuse conhecido no mundo inteiro, foram publicados no Brasil nos anos 60. Mais tarde apareceu Razão e revolução(Paz e Terra, 1978), escrito em 1941. Mas os ensaios dos anos 30, que originalmente faziam parte da Revista de Pesquisa Social e que mostram claramente a contribuição fundamental de Marcuse à elaboração da Teoria Crítica da sociedade, só recentemente foram traduzidos no Brasil. Convém registrar que o volume da coleção Os Pensadores dedicado à Escola de Frankfurt reuniu ensaios de Benjamin, Adorno, Horkheimer e Habermas e excluiu Marcuse, o que não deixa de ser revelador da incompreensão acima mencionada. Mas talvez a razão mais profunda de tal descaso aparentemente incompreensível esteja em outro lugar. É o que tentarei mostrar brevemente neste texto.
Desde o início de sua carreira filosófica Marcuse teve uma preocupação central: construir uma filosofia política voltada para a emancipação humana, ou seja, longe da filosofia acadêmica,  unicamente entregue a seus próprios problemas internos e longe da força das coisas. Numa entrevista ao final da vida, interrogado a respeito de por que escolhera essa carreira, Marcuse responde que queria ser "(...) filósofo num sentido hoje quase inconcebível, quer dizer, alguém que com base no que aprendeu e na sua experiência possa realmente entender, descobrir e transformar a realidade em que vive. Uma definição consideravelmente política da filosofia, que contudo remonta a ninguém menos que Platão."
Marcuse de fato foi o único filósofo da Escola de Frankfurt que, mesmo sem ter militância política em sentido estrito, sempre permaneceu um teórico da revolução. Desde o início sua obra gira em torno de um problema: a necessidade da transformação radical da sociedade capitalista. Foi a derrota da revolução alemã que o sensibilizou para a política, como ele mesmo reconhece em várias entrevistas dadas ao longo da vida. Marcuse tem uma necessidade premente de entender por que uma revolução, que parecia na ordem do dia, acaba derrotada e as antigas classes dominantes retornam, fortalecidas. Com esse objetivo, começa a ler Marx. Mas um Marx filtrado pelo Lukács de História e consciência de classe e o Korsch de Marxismo e filosofia, livros críticos do marxismo economicista dos partidos operários oficiais.
Se perguntássemos a Marcuse qual o texto que fez sua cabeça ele responderia sem titubear: os Manuscritos Econômico-Filosóficos do jovem Marx, que, publicados em 1932, receberam de sua parte um comentário detalhado, e cujas idéias o acompanharam durante a vida inteira. O comunismo a que Marx se referia nos Manuscritos não significava apenas a transformação radical das bases materiais da sociedade, mas também a emancipação completa do ser humano, o que, na interpretação de Marcuse, representava a emancipação dos sentidos e a transformação radical da consciência e do inconsciente. Em outras palavras, para Marcuse os Manuscritos anunciavam em termos políticos o que mais tarde Freud viria a fazer em termos psicológicos. E foi exatamente para a dimensão da subjetividade, negligenciada pelo marxismo dos partidos políticos, que Marcuse se voltou depois da Segunda Guerra Mundial, pois via na situação daquela época uma repetição da história: novamente a revolução havia sido derrotada, nos EUA explodiram o macartismo e a guerra fria, e a URSS por seu lado não representava nenhuma alternativa emancipadora. Nesse contexto, Marcuse passou a estudar Freud sistematicamente, pois sem sabermos como funciona a subjetividade humana a luta política seria ineficaz. Foi a partir daí que compreendeu que sem uma transformação radical da consciência e do inconsciente, das necessidades e aspirações humanas as revoluções estariam para sempre votadas ao fracasso. Aqui se juntavam o jovem Marx e a psicanálise freudiana, tal como ele a interpretou. Em resumo, Marcuse procura renovar o marxismo, e alarga o campo de suas preocupações ao teorizar sobre a dimensão subjetiva da vida humana vinculada à mudança social.
Nesse sentido, podemos dizer que diferentemente de Adorno e Horkheimer, que a partir dos anos 40 se dedicaram à crítica da cultura desvinculada da política radical, Marcuse levou adiante o projeto da Teoria Crítica dos anos 30 – unir filosofia, teoria social e política revolucionária. A preocupação política é muito clara, por exemplo, nos textos dos anos 1940 produzidos na época em que trabalhava para o governo americano o que leva a relativizar a interpretação corriqueira sobre a Teoria Crítica dos anos 40, segundo a qual esta teria ficado resignada à contemplação, abandonando a unidade entre teoria e prática. No caso de Marcuse esta interpretação não se sustenta pois justamente a procura de vínculo com a prática é o fio condutor do seu pensamento.
Procurarei apresentar essa idéia expondo em grandes traços qual é sua análise do capitalismo tardio ("sociedade industrial avançada", na sua terminologia) e o que seria no seu entender uma sociedade emancipada, ou seja, socialista. Para isso vou me deter basicamente em Eros e Civilização, e lembrar, sempre que necessário, passagens dos artigos e entrevistas publicados em A Grande Recusa hoje, que retomam de maneira explícita idéias que começaram a germinar nos anos 1950.
***
A grande preocupação de Marcuse a partir do pós-guerra é com uma teoria do sujeito (um novo sujeito histórico, pois o velho sujeito revolucionário, a classe trabalhadora, estava integrada à sociedade de consumo). Para elaborar essa teoria, volta-se para a psicanálise de Freud. Ele quer entender por que "todas as revoluções foram também revoluções traídas". Para isso não basta uma análise em termos econômico-políticos. É preciso ir além, entender por que, junto com o Termidor histórico-social, vem o "Termidor psíquico": os rebeldes, ao derrubarem o velho poder, se identificam com ele e por isso tornam a instituir um novo poder tão ou mais opressivo que o anterior. Ou seja, a dominação é interiorizada, o que explica as sucessivas derrotas em termos psicológicos. Marcuse se pergunta se não haveria já nos próprios indivíduos "uma dinâmica que nega internamente a libertação e a satisfação possíveis fazendo que os indivíduos se dobrem à negação não apenas do exterior?" É esse indivíduo auto-reprimido que apóia os senhores e suas instituições. Assim sendo, é preciso entender a derrota das revoluções em termos econômicos, políticos, sociais, históricos epsicológicos. É a repressão das pulsões de vida (Eros) que cria indivíduos aptos a aceitarem uma sociedade repressiva e a temerem sua própria libertação. Na conferência "Ecologia e crítica da sociedade moderna" (1977), diz Marcuse:
Os indivíduos introjetam valores e objetivos, os quais estão incorporados nas instituições sociais, na divisão social do trabalho, na estrutura de poder estabelecida, e assim por diante. E, inversamente, as instituições sociais e políticas refletem (...) as necessidades socializadas dos indivíduos, as quais se tornam deste modo suas próprias necessidades.
Este é um dos processos mais importantes na sociedade contemporânea. Com efeito, as necessidades que verdadeiramente são oferecidas aos indivíduos pelas instituições, e em muitos casos impostas aos indivíduos, acabam tornando-se as próprias necessidades e carências dos indivíduos. Esta aceitação das necessidades impostas contribui para uma estrutura de caráter afirmativo.
Como seria possível então na sociedade industrial avançada fazer explodir essa estrutura de caráter que apóia os senhores e suas instituições? Como seria possível uma "subjetividade rebelde"? Marcuse acredita existir a possibilidade objetiva do que Bloch denominou "utopia concreta". "Utopia", porque essa sociedade não existe em lugar algum; "concreta" porque é uma possibilidade histórica real. O problema seria a inexistência de um sujeito histórico "eficaz" para viabilizar essa utopia que ele vê como possível. Qual é o seu argumento?
No capitalismo avançado, com a automação do trabalho não é mais necessário reprimir os indivíduos para que trabalhem, tal como era preciso numa sociedade de escassez. Essa era a hipótese de Freud sobre a qual se assentava a idéia de que a civilização exige a repressão das pulsões, exige que o "princípio de prazer" se subordine ao "princípio de realidade". Fazendo uma leitura marxista de Freud, Marcuse cria dois novos conceitos: "mais-repressão" (o controle adicional acima do indispensável à existência da sociedade humana civilizada requerido pela dominação social) e "princípio de desempenho" (a forma histórica predominante do princípio de realidade), historicizando o que, segundo Freud, era constituinte da natureza humana. Embora em nenhum momento do livro o nome de Marx seja mencionado, há uma evidente analogia entre o conceito de mais-repressão e o de mais-valia, assim como o conceito de princípio de desempenho está ligado à crítica marxista do capitalismo e do trabalho alienado.
Assim sendo, numa sociedade em que o trabalho manual é crescentemente substituído por máquinas, Eros pode libertar-se, a energia pulsional antes canalizada para o trabalho pode dirigir-se para outros fins. Entretanto, precisamente porque não há mais base objetiva para a ideologia do trabalho penoso e para a repressão das pulsões é que é necessária a repressão das consciências. Mas se as consciências são dominadas, como é possível a emancipação? A idéia básica é que a força libertadora de Eros, que não pode ser totalmente reprimida e que sempre retorna à superfície, faz explodir os quadros da sociedade estabelecida. Habermas, polemizando com Marcuse em relação a esse ponto, diz que ele "tem uma confiança milenarista na dinâmica renovadora das pulsões".
Chegamos assim ao tema, central em Eros e civilização, de uma sociedade do tempo livre. Com a automação, o pouco trabalho que restaria seria trabalho não alienado, lúdico. Em outras palavras, deixaria de existir o abismo entre trabalhar e jogar/brincar (spielen): o jogar/brincar tem seu fim em si mesmo, não é um meio eficiente para se atingir um fim diferente do próprio meio. Marcuse inspira-se nessa idéia de Schiller (exposta nas Cartas estéticas para a educação da humanidade) com o objetivo de mostrar que numa sociedade socialista o trabalho deixaria de ser um meio para valorizar o capital e visaria a realização das potencialidades e a satisfação das carências humanas. Em outras palavras, a abolição do trabalho alienado permitiria investir a libido no trabalho – que se tornaria assim trabalho lúdico – e nas relações sociais, o que transformaria a vida num jogo estético/erótico em que os sentidos humanos não seriam moldados pela forma mercadoria. Numa sociedade sem repressão das pulsões a gratificação erótica seria inerente a toda a vida social e ocorreria a reconciliação entre os seres humanos e a natureza, a qual deixaria de ser mera matéria que o homem pode explorar a seu bel prazer (donde o interesse de Marcuse pela ecologia).
Esta é a tese de Eros e civilização. Entretanto, no Prefácio Político escrito em 1966 para uma nova edição do livro reconhece que na sociedade atual não se pode chegar a esse mundo reconciliado. Esse Prefácio faz parte do período "pessimista" da obra de Marcuse que se iniciou em 1964 com O homem unidimensional. Neste livro, que paradoxalmente encontrou grande repercussão no movimento estudantil dos anos 1960, Marcuse vê o capitalismo avançado como uma sociedade "democrática totalitária", em que todo e qualquer tipo de oposição se encontra integrado. Osousiders, marginais, minorias rebeldes etc. indicariam a existência de uma frágil alternativa, mas também aí não haveria qualquer garantia.
Voltemos porém ao tema antes mencionado do fim do trabalho alienado. Numa entrevista de 1972, diz num tom mais comedido em relação à utopia construída em Eros e civilização:
Enquanto não se puder pensar na possibilidade de uma produção totalmente automatizada, permanecerá sempre um grande resto de trabalho que não pode ser transformado em trabalho criativo. Mas esse trabalho pode ser reduzido de tal forma, que a quantidade se transforma em qualidade, quer dizer, esse resto de trabalho alienado deixará de determinar a existência humana no seu todo.
A idéia é que o tempo livre e não mais o tempo de trabalho passaria a ser o elemento organizador da vida social.  Na verdade, o que está aqui em jogo é uma concepção totalmente diferente da vida e da sociedade, umaoutra idéia de civilização, distinta da corrente dominante da civilização ocidental, centrada na idéia de progresso como desenvolvimento contínuo e ilimitado das forças produtivas. Ou como diz Marcuse no Prefácio Político de 1966, é necessária "uma inversão no rumo do progresso", "um novo ponto de partida".
Visando desenvolver com um mínimo de precisão o que Marcuse tem em mente quando pensa numa sociedade emancipada, retomemos uma passagem de uma conversa com Habermas (entre outros), em julho de 1977 quando, ao referir-se ao movimento estudantil, diz:
Foi o primeiro movimento que voltou a pensar a revolução socialista como uma diferença qualitativa e a construção do socialismo como uma sociedade qualitativamente diferente, longe do fetichismo das forças produtivas. Nos países capitalistas avançados as forças produtivas se desenvolveram numa extensão mais que suficiente, se é que não se desenvolveram demais. Do que se tratava [na época da rebelião estudantil], e do que continua se tratando, é de um novo princípio de realidade. Isto não é tematizado por Marx; aparece como um traço, sobretudo nos escritos de juventude, mas depois desaparece.
Vejamos com mais cuidado três idéias deste trecho.
1. A revolução socialista (tal como pensada pelos estudantes) tinha por objetivo uma sociedade qualitativamente diferente, distante do fetichismo das forças produtivas. Marcuse questiona aqui a idéia quantitativa de progresso, cujo objetivo é a produtividade vista como algo bom em si mesmo, sem se perguntar para que fim serve o progresso material (econômico, técnico, científico, etc.). Segundo Marcuse a racionalidade tecnológica tem, no capitalismo, um vínculo indissolúvel com a dominação política ou, em outros termos, a ciência e a técnica estão inseridas num "projeto" que serve aos interesses do capital, elas não são neutras.
No projeto socialista de Marcuse, não se trata de aproveitar o aparato tecno-científico do capitalismo, como se este fosse despido de valores sociais e morais e como se a idéia de desenvolvimento das forças produtivas pudesse continuar a ser utilizada, desde que as forças produtivas estivessem a serviço de novos objetivos. É isto, mas isto não é tudo. Este é o elemento marxista do seu pensamento, mas ele vai mais longe: Marcuse é um precursor das atuais preocupações ecológicas ao questionar a idéia de desenvolvimento econômico como simples crescimento, que leva a uma relação destrutiva com a natureza. Donde a dúvida mais que justificada expressa na citação acima, se não seria necessário limitar o desenvolvimento das forças produtivas, frear a corrida impetuosa do progresso em direção (quem sabe?) à destruição da própria humanidade. O que ele exprime no Prefácio Político de 1966 da seguinte maneira:
Ao passo que as revoluções anteriores acarretaram um desenvolvimento mais amplo e mais racional das forças produtivas, nas sociedades superdesenvolvidas de hoje, porém, revolução significaria a inversão dessa tendência: eliminação do super-desenvolvimento e de sua racionalidade repressiva. 
Contudo, criticar o progresso não significa rejeitar a técnica e retornar à vida selvagem e sim pensar numa nova técnica e numa nova ciência, voltadas para a "pacificação da existência". Ainda o Prefácio Político:
A rejeição da produtividade afluente, longe de constituir um compromisso com a pureza, a simplicidade e a 'natureza', poderia ser um indício (e uma arma) de um estágio superior de desenvolvimento humano, baseado nas realizações da sociedade tecnológica. Sendo interrompida a produção de bens supérfluos e destrutivos (um estágio que significaria o fim do capitalismo em todas as suas formas) – as mutilações somáticas e mentais infligidas ao homem por essa produção seriam eliminadas. 
No socialismo a natureza deixaria de ser objeto de dominação dos homens. Estes passariam a ter com ela uma relação fraterna, de colaboração, e não de destruição. Numa sociedade que não fosse regida pela supremacia do capital sobre a sociedade e que tivesse outros valores que não a eficiência, a produtividade, a competitividade, a vida seria um fim em si mesma e não um meio para a valorização do capital, seria uma vida "pacificada".
Questionar a noção corrente de progresso, como faz Marcuse (e o grupo Krisis, que rejeita a civilização do automóvel, p. ex.), significa levantar a bandeira da mudança radical das necessidades humanas.
2. A segunda idéia em que devemos nos deter é a de "novo princípio de realidade". O que isto significa? Marcuse utiliza esse conceito de Freud, definindo-o "como a soma total daquelas normas e valores que supostamente governam o comportamento normal numa sociedade estabelecida" (GR, p.144). No capitalismo, as normas/valores que governam a sociedade estão evidentemente ligadas ao princípio em torno do qual tudo gira – o lucro. As necessidades dos indivíduos, que eles consideram como genuinamente suas, são na verdade impostas pelos interesses do capital, sobretudo a necessidade de consumir o supérfluo.
Marcuse reconhece que a distinção entre falsas e verdadeiras necessidades, embora problemática, é fundamental para se pensar a sociedade socialista. Numa entrevista de novembro de 1972, começando por identificar as "falsas necessidades", diz:
A distinção entre necessidades verdadeiras e falsas é uma das mais difíceis e naturalmente não pode ser verificada "cientificamente". Antes de mais nada, a distinção é válida negativamente, na medida em que se pode mostrar que os homens contraíram necessidades que são prejudiciais, que retardam um maior desenvolvimento humano, que retardam a emancipação dos homens, quando não os tornam impossíveis por um largo período. Delas faz parte, por exemplo, – e aqui evidentemente falo apenas dos países industriais altamente desenvolvidos, a situação é essencialmente diferente no Terceiro Mundo – a necessidade, que já se tornou imperiosa, de, a cada ano, ou a cada dois anos comprar um carro novo, ou a necessidade de comprar um aparelho de televisão maior ou mais sofisticado, a necessidade de ficar sentado durante horas na frente desse aparelho de televisão, a necessidade de comprar todas as mercadorias que hoje são vistas como símbolos de status. São necessidades negativas, que satisfazem de fato uma necessidade que se tornou real, mas ao satisfazê-la retardam a emancipação do homem do trabalho alienado, de todo o sistema de valores do capitalismo e trabalham contra essa emancipação.
A crítica à sociedade de consumo, um tema sempre retomado por Marcuse, é nesta época de exacerbamento da "estética da mercadoria" mais atual que nas décadas de 1960/70, quando mesmo nos meios urbanos ainda existiam dimensões da vida não dominadas pelo valor de troca – todos nós ainda passamos a infância e a juventude num mundo "caipira" de pouco consumo em comparação com a atual lavagem cerebral mercadológica a que somos submetidos diariamente.
Logo a seguir, tentando formular a idéia de "necessidades verdadeiras" em termos positivos, diz Marcuse:
o único juízo de valor, por assim dizer, pressuposto numa análise crítica consiste em que é melhor para os homens viver que morrer, e que é melhor viver bem que viver mal. Acredito que hoje, e não apenas hoje, se pode definir de maneira bastante precisa o que se chama uma vida melhor, ou seja, que isso não significa apenas criar e satisfazer necessidades materiais e também culturais sempre maiores, mas realmente viver de uma maneira essencialmente diferente: isso significa não continuar fazendo do corpo um instrumento de trabalho alienado, não continuar fazendo seu caminho na sociedade e através da sociedade de uma maneira essencialmente destrutiva, deixar de ter as características agressivas da sociedade capitalista – mas justamente levar uma vida livre de todo esse negativo, e na verdade porque, na minha opinião, nos encontramos numa situação nova e excepcional, em que as necessidades materiais e também as necessidades culturais básicas da maioria da população foram satisfeitas. Revela-se assim que o trabalho social é crescentemente utilizado nos chamados objetos e necessidades de luxo, as quais não fazem parte da subsistência humana ou, para falar como Marx, que o capitalismo cada vez mais se reproduz por meio do trabalho improdutivo. Dito positivamente: alcançamos na história o estágio em que o trabalho alienado socialmente necessário não precisa mais ser trabalho full-time, mas pode ser reduzido a um mínimo, dando lugar aos poucos a um trabalho mais ou menos criativo e a um tempo livre mais ou menos autônomo.
Aqui, em primeiro lugar, o que chama a atenção é o tema da sociedade afluente – as necessidades materiais e culturais da maioria da população foram satisfeitas, por isso não há oposição. E hoje que vivemos em um patamar de desigualdade nunca visto desde o fim da Segunda Guerra Mundial? Será que ficou mais próxima a possibilidade de uma oposição crescente à idéia de que o mundo é uma mercadoria e de que a suprema felicidade na vida consiste no acesso às mercadorias?
Em segundo lugar, retornamos ao tema anterior de uma sociedade fundada no tempo livre. A idéia é que numa sociedade em que tivesse sido eliminado o trabalho alienado, o tempo livre seria controlado autonomamente pelos indivíduos, e não seria o "hedonismo enfurecido de idiotas do consumo" (Robert Kurz) que presenciamos hoje.
3. E finalmente, a última idéia do trecho citado é a de que uma sociedade socialista qualitativamente diferente, fundada num novo princípio de realidade, não aparece em Marx, ou melhor, aparece no jovem Marx dosManuscritos econômico-filosóficos de 1844, mas depois desaparece. Este texto do jovem Marx, como já foi mencionado, teve para Marcuse uma importância que não podemos negligenciar. Assim que foi publicado em 1932, Marcuse escreveu um longo ensaio intitulado "Novas fontes para a fundamentação do materialismo histórico" em que dava uma guinada em relação à sua anterior forma de pensar, muito influenciada por Heidegger, porque via nessas idéias do jovem Marx os fundamentos de uma revolução radical, ou seja, uma revolução dos sentidos, da sensibilidade humana. Para Marcuse, a "verdadeira" libertação humana implica a "emancipação dos sentidos", o fim da "sublimação repressiva". O socialismo seria criado por um "novo tipo de homem", entendido como "novo ser sensível" (guiado pela "razão sensível"), que reconstruiria o mundo "de acordo com as leis da beleza" (donde a relação fraterna com a natureza) e não segundo a lógica da valorização do capital. O sentido geral desta apropriação do jovem Marx é claro: a rejeição por parte de Marcuse do "socialismo realmente existente".
Vejamos por fim, para concluir, um trecho de um artigo intitulado "Teoria e prática", de 1974, escrito para comemorar os 50 anos do Instituto de Pesquisa Social, em que Marcuse aponta as contradições do capitalismo avançado ("neocapitalismo") – o que faz com que a teoria marxista continue atual.
No que consistiriam essas contradições do capitalismo que levam à possibilidade da ruptura? Escreve o nosso filósofo:
A saturação do mercado nas metrópoles e a necessidade de uma acumulação crescente forçam o neocapitalismo a produzir em ampla escala mercadorias e serviços que representam 'produtos de luxo', indo além das necessidades vitais, materiais ou culturais, mas nem por isso a pobreza e a miséria são reduzidas fora das camadas sociais privilegiadas capazes de comprar esses produtos. Mas isso significa que na escala da sociedade, o tempo de trabalho necessário à reprodução da força de trabalho diminui cada vez mais (ilusão de liberdade) sem que diminua a quantidade total do trabalho assalariado: este continua ocupando todo o tempo, continua o conteúdo mesmo da vida. É cada vez mais difícil abafar a tomada de consciência de que uma parte do tempo consagrada ao trabalho é inútil, é desperdício (produtiva e necessária apenas para o modo capitalista de produção): ela alimenta a necessidade de um 'reino da liberdade' que no mundo neocapitalista da mercadoria é constantemente produzida e constantemente negada.
Como bom marxista que fez a lição de casa, Marcuse afirma que o capitalismo para se desenvolver precisa continuar acumulando. Com esse fim, deve continuar produzindo produtos supérfluos, uma vez que as necessidades vitais já teriam sido satisfeitas, pelo menos nos países ricos. Mas, apesar disso, a desigualdade social não é eliminada, nem sequer nesses países. E se está dada a possibilidade de eliminar a carência material (pois de fato ainda não foi eliminada, a não ser para as camadas privilegiadas da sociedade), isso significa que está também aberta a possibilidade de diminuir a jornada de trabalho necessária para reproduzir a força de trabalho. Contudo, observa Marcuse, o tempo de trabalho não diminuiu. Finalmente pensa que em virtude dessa situação objetiva (em que não é mais preciso trabalhar tanto) aumenta a consciência de que o tempo dedicado ao trabalho é inútil, ou seja, aumenta a consciência de que ele só é necessário à reprodução do sistema capitalista e, conseqüentemente, abrir-se-ia uma brecha no sistema.
Hoje algo mudou em relação ao diagnóstico de Marcuse. Se na sua época a automação crescente permitia vislumbrar, pelo menos em termos teóricos, o fim do trabalho alienado e a possibilidade de uma mudança civilizatória, hoje essa possibilidade teórica permanece, mas um complicador foi acrescido à conjuntura: o desemprego. Embora no Prefácio Político de 1966 diga que "Uma progressiva redução da mão de obra pare[ça] ser inevitável, e o sistema, para fazer face a essa eventualidade, te[nha] de prover à criação de ocupações sem trabalho (...)"  – o desemprego se anuncia – Marcuse via essa mudança de maneira otimista, pensando que ela indicava a tendência de nos libertarmos do domínio da mercadoria. Mas hoje, quando a predominância do capital sobre a sociedade não é questionada a não ser pela esquerda radical que não tem força política, a utopia marcuseana parece menos enraizada na realidade. Como lutar por uma cultura do tempo livre, do ócio (luta que não se separa do combate ao capitalismo) quando todos pedimos para sermos explorados por algum patrão que queira nos empregar?
Além disso, vivemos uma situação paradoxal: o progresso técnico, em vez de libertar os seres humanos, só intensificou a submissão ao trabalho daqueles que ainda têm uma ocupação remunerada.25 A fim de manter a competitividade e os lucros, as empresas capitalistas intensificaram os ritmos de produção em todos os níveis, diminuíram o número de trabalhadores, etc. o que leva à superexploração dos que têm a sorte de manterem o emprego. Esse modelo produtivista acabou sendo exportado para outras instituições, como por exemplo, as universidades, onde seus profissionais sofrem com uma sobrecarga de tarefas inimaginável há anos atrás. Dada essa situação desumana sob todos os aspectos parece-me que a análise de Marcuse do capitalismo tardio e as alternativas que propõe fazem mais sentido do que nunca. A crítica da civilização fundada na ética do trabalho, da eficiência, da produtividade, do progresso contínuo das forças produtivas – valores que só serviram até agora para destruir a natureza produzindo cada vez mais riqueza para um número cada vez menor de pessoas – torna Marcuse precursor de toda uma literatura atual centrada na crítica do trabalho abstrato e, por conseguinte, do capitalismo. Diferentemente da recepção enviesada dos anos 1960/70, que enxergava nele exclusivamente o guru da contra-cultura, hoje vemos claramente que Marcuse foi, antes de mais nada, um filósofo marxista politicamente engajado. Tanto que numa entrevista à BBC, em 1978, diz:
A teoria marxista será refutada quando o conflito entre a nossa riqueza social crescente e seu uso destrutivo for resolvido no interior do capitalismo; quando o envenenamento do meio ambiente for eliminado; quando o capital puder se expandir de maneira pacífica; quando o abismo entre ricos e pobres for continuamente reduzido; quando o progresso técnico for criado para servir o crescimento da liberdade humana – e tudo isso, repito, no interior do capitalismo.
Talvez a clara filiação de Marcuse ao marxismo e o engajamento político daí decorrente sejam o motivo real do pouco caso com que sua obra foi tratada nas duas últimas décadas do século XX. Afinal uma época de "contra-revolução preventiva", para retomarmos uma fórmula do próprio filósofo no início dos anos 1970, não só não pode ver com bons olhos, como também considera ultrapassado um pensamento que se opõe ao primado da mercadoria, à dominação sem sentido, à irracionalidade e à manipulação das consciências. A mudança de ares que começa a se anunciar o traz de volta, mas desta vez pondo-o no lugar que lhe pertence – como um dos pensadores que criou e desenvolveu a Teoria Crítica da sociedade sem nunca excluir um de seus elementos fundamentais: a defesa da transformação radical da sociedade.